quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Pálida Musa de Verão

Ela já foi antídoto para o meu veneno e veneno para o meu antídoto.
Fez-me escrever páginas e páginas de linhas e linhas de páginas e linhas de um minúsculo bloco que guardava no bolso de trás dos calções enquanto andava de bicicleta, passando inúmeras vezes à porta da sua casa vazia, mesmo sabendo que ela apenas viria dentro de dias.
Fez-me rebolar na relva húmida com a boca mais aberta que em qualquer outra noite devido ao ácido cauterizador com que ela me tinha injectado nas veias, fazendo reviver uma velha pedra do peito e tornando-a incadescente e ferverosa.
Fez-me cantar Bop noite sim noite sim noite adentro, tendo apenas a noite a olhar por mim adentro, e sua leve mas venenosa presença no meu espírito enquanto dançava com as imovíveis estrelas.
Fez-me renegar dias de suposta festa apenas para poder dizer-lhe Olá e Adeus em 5minutos, com 4beijos secos nas bochechas intercalando o Olá e Adeus.
Fez-me cagar na minha solidão e orgásmica solidão que tenho pela minha condição solitária, indo a pedalar velozmente com um papel rabiscado arrancado de sei lá que bloco, que servia como testemunho de minha entrega apaixonada à minha Pálida Musa de Verão.
Musa de Verão... que se foi embora mal os dias começaram a encurtar; assim cmo a minha vida encurtou pelos curtos caminhos das fáceis sensações e tentações e aventuras tentadoras e sensíveis - abandonei-a por uma mão vazia de sensações e histórias.
Copos verdes e acastanhados. Pontas de cigarros apagados a serem fumados estando sentado à beira da calçada de ma qualquer rua enviesada cujo nome está turvado. Musas nocturnas de olhos verdes-azuis-acastanhados-escuros, de cabelos escuros-acastanhados-azuis-loiros. Beijos bêbedos de lábios dormentes que já não sabem o que é o paladar sóbrio. Bancos de jardim ao frio e ao vento das 5 da manhã de locais inapropriados para situações inapropriadas.
Aventuras apagadas como a ponta do cigarro que tento fumar, chupar. Que me fazem escrever e falar mas qe nunca me darão, a minha Musa de Verão.
Pálida Musa de Verão.

Enfim...

...a cidade consome-nos em devaneios solitários,
cinzentos de anonimato aconchegante e dilacerante.

Enfim...
mentes conturbadas em viagens ácidas e azuladas
que permanecem debaixo da língua seca e desavermelhada

Enfim...
lençois finos estendem-se até ao horizonte perceptível
numa terra erma onde hienas têm festins necrófago-canibais.

Enfim...
Apenas usei isto para vomitar um emaranhado de palavras
sublimadas em discursos desnecessários e confusos.

Enfim...
aqui me despeço - aqui permaneço.
Encostado a esta janela - observando toda esta fria e anónima cidade
que me acolhe - que me mata.

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25 de Novembro de 2006

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

De uma beleza-azul-surreal

Um foco de luz incidente no meio do quadro, no meio do enquadramento, no meio da fotografia. É um grande plano que vai diminuindo lentamente - plano de peito, plano de tronco, plano de pé. É uma grande figura que vai sendo descoberta lentamente numa lenta dança de sedução que tenta esconder traços de obsessão compulsiva e frenética atrás daquele suave ritmo. Daquele suave ritmo que se vai desdobrando no tempo, sendo cada segundo multiplicado por diversas versões possíveis em dimensões perpendiculares que, a cada segundo que passa, resulta naquele suave ritmo azul.
Azul. Um ritmo suave-azul. Como se estivessemos a boiar no meio do alto-mar onde este se cruza com o azul céu, sem nada mais em torno de nós sem ser o azul. No azul incidente daquele quadro, no meio do enquadramento, no meio da fotografia. Uma figura.
Uma figura. A figura. A sublime figura. Escultura feita apartir do ponto onde o azul do mar se cruza o azul do céu. Azul. Suave ritmo azul. De uma beleza-azul-surreal.
Um quadro pintado em tons de azul, de onde sai uma melodia azul por trás dele. I have the blues... Eu tenho e ela tem, mas eu nunca a irei ter. Não é querer te-la para tirar a luz incidente do quadro, pois é o que dá surrealidade ao quadro. É o que dá beleza ao enquadramento e gera a música que sai de trás dele.
Escultura de traços finos onde poisa um fino e delicado vestido preto que se ajusta às tuas linhas melancólicas que sobressaem sob o Azul. O Azul a que tu dás vida.
Gesticulantes lábios vermelhos que articulam hinos que te pulsam nos corações vermelhos que tens. Gesticulantes lábios vermelhos ligados a gestos que são estalidos que são pulsações de teus corações vermelhos; que são Vida.
Quadro vermelho, azul que é Vida e melancolia e que isso pouco importa quando o que vemos é uma beleza-azul-surreal. Que nos encanta e nos hipnotiza. Que nos põe doentes. Que faz mudar a cor do nosso sangue. Que nos faz entrar num suave ritmo melancólico - dançando com uma luz azul incidente - estalando os dedos - fechando os olhos e indo para o azul, do qual és Senhora.
Sublime senhora da beleza-azul-surreal. Azul-beleza-surreal. Surreal-beleza-azul. Quem me fez escrever tudo isto. Ponto final.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Calçada do Carmo com a Nossa Senhora da Conceição

Calçada do Carmo sem gin, por este ter sido roubado por antigos hippies que dizem à filha que fumar um charrinho de vez em quando na Calçada do Carmo não faz mal, mas para não exagerar e que o gin é deles.
Mas a filha deles é a Nossa Senhora da Conceição, que muito pálidamente se separa da confusão dos adultos e vai ao corredor da luz branca e retira da terceira prateleira a contar de cima uma garrafa de um basso verde que a hipnotiza e a faz dançar pelas escadas a fora
escadas a dentro
das escadas a fora
da Calçada do Carmo.

Nossa Senhora da Conceição, com um cachecol alaranjado sob a cabeça e olhos esbogalhados para a fotografia, com um discípulo vestido de negro a seus pés a rir-se pelo nariz e pelos tímpanos.
Nossa Senhora da Conceição, na Calçada do Carmo desliza pelo basso verde corrimão com a garrafa basso verde na mão e desvenda seu segredo na Calçada do Carmo dizendo:
-"Sou uma Nossa-Senhora das Limpezas a escorregar pelo corrimão!"

E faz o discípulo rebolar pelas escadas abaixo
da Calçada do Carmo.

Vida suprimida

Foi suprimida. A Vida.
Quem? Quem é que foi detida?
Suprimida!
Onde?
Numa estação qualquer do submundo da ilusão da vivência vivída e respirada. Numa estação onde os pés se movem sem vontade e sem sairem do mesmo lugar. Onde as mãos não têm sensibilidade nem para apalpar o ar, e ainda assim tentam apalpar o escuro, que afinal é cinzento e que afinal é fumo da fábrica que emprega 1537 trabalhadores, onde nenhum deles sabe o que se fabrica na fábrica mas que mesmo assim trabalha na fábrica, e onde todos os trabalhadores têm o 6º ano feito e têm como dieta tremoços e cerveja e futebol e 2minutos de sexo por ano.
Mas quem?
A VIDA! Suprimida!
Caralho, a puta da vida foi suprimida, e os pobres desgraçados cegos apalpadores de fumo do submundo da existência são forçados a comerem-se às dentadas para não uivarem de raiva, o que faria com que todos os seus telhados de vidro se quebrassem.

"-Comboio das 15,55 proveniente dos confins da existência insensível com à Vida devido a motivos técnicos inexplicáveis foi suprimido..."

E o suicida lá do fundo berra "PORRA!", e volta para casa para comer batatas fritas pré-congeladas do tipo palito, enquanto ve na sua poltrona remendada com fita-cola castanha o Campomaiorense a jogar contra o Tirsense na Base das Lages para a liga da da ilusão da vívida que é a puta da Vida suprimida.